viagem

Clareou

18.398

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"Somos todos visitantes deste tempo, deste lugar. Estamos só de passagem. O nosso objetivo é observar, crescer, amar... E depois vamos para casa." ~Provérbio aborígene 

Manhã fria de outono. 

Percorro em rápidas passadas as ruas desertas do residencial Ibiti. 

O céu amanheceu cinzento, mas nada que impeça a passarinhada de gritar alegremente pela chegada do novo dia. 

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Há bem-te-vis, corruíras, sabiás, maritacas, pardais, pombas, rolinhas sanhaços, gaviões esvoaçando e fazendo barulho acima de mim. Não tenho tempo de observá-las cruzarem o céu. Hoje não. Tenho outra coisa na mente. Assim que me aproximo do bambuzal a poucos metros da entrada do bosque consigo apreciar o último grupo de garças saindo de seu dormitório. É ali no bambuzal vistoso que elas se recolhem à noite. 

Tive sorte desta vez em ver o bando retardatário de cinco aves com suas longas asas brancas voando em direção oeste, ao piscoso rio Sorocaba para se alimentar. Ali me detenho feliz. Sorrio e sinto um estranho relaxamento na alma. Adentro ao bosque por um caminho lateral distante daqueles demarcados e utilizados pelos usuais frequentadores - corredores e caminhantes do parque. 

Esgueiro-me pelos troncos das árvores para não espantar os habitantes da fauna, local que descem pelo leve declive em direção ao lago dos cisnes negros. 

Estes, grupos de três, bailam à la Tchaikovsky, no centro do lago, sem se importar com o bando de esfomeados e sedentos que se aproximam da beira d'água. Sento-me no chão forrado de folhas e dali fascinado acompanho a procissão das aves. Há de tudo por ali. Desde as famílias das galinhas de angola até as dos majestosos pavões. Os sons se mesclam, enquanto eles se movem com olhos famintos e patas apressadas devorando pequenos insetos na terra úmida, escondidos debaixo das folhas caídas ao longo da noite fria. 

É um espetáculo divino contemplar a Natureza. Como ela é simples e ao mesmo tempo grandiosa. Sentir-se parte dela é sentir-se especial. Saio dali com a alma plena, tempos depois. 

Sinto-me seguro, feliz e abençoado. Retorno para casa com o sol espraiando raios dourados. Agora o céu é de um tom azul claro. Sou recepcionado pelo alvoroço das duas cadelas, Lady e Maya, que pressentem minha chegada antes mesmo de pisar no jardim gramado. Por causa delas não consigo surpreender minha mãe. Ela costuma cantar enquanto prepara o café matinal. 

Aproximei-me, pé ante pé, sorrateiro, para tentar gravá-la a cantar em meu celular, mas não deu certo. 

Ela me surpreendeu ao perguntar: "O café está pronto, filho!" "Dormiu bem?" Eu a abracei e pedi para ela cantar de novo. Ela recusou. "Esta canção fica melhor na voz do Diogo Nogueira", foi a resposta. 

Coloquei o CD para ouvirmos a canção Clareou de Diogo Nogueira: 

"A vida é pra quem sabe viver Procure aprender a arte Pra quando apanhar não se abater Ganhar e perder faz parte
Levante a cabeça amigo a vida não é tão ruim Um dia a gente perde mas nem sempre o jogo é assim Pra tudo tem um jeito, e se não teve jeito Ainda não chegou ao fim". 


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Ouvindo a música, fiquei olhando para a minha mãe.

E pensei... Do alto de seus setenta anos de vivência, minha mãe, contorna o nosso medo, desses tempos tristes e sombrios, com afirmações do tipo: "Foi um privilégio estar aqui com todas as dificuldades e tristezas, porque houve tempos de alegrias e vitórias. Foi um privilégio não ter praticado o mal contra os meus semelhantes e contra a natureza viva que me rodeou e tê-la protegido e defendido. Foi um privilégio amar e ser amada. Foi um privilégio ter tido fé e crença em um Poder Absoluto que se chama Deus!

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